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O presidente precisa ser impedido

Marcos Rocha, Diretor da ONG Fábrica de Imagens

Foto: Anderson Riedel/PR (Palácio do Planalto) O impedimento de um ou uma presidenta democraticamente eleita pelo voto popular em um regime presidencialista não é algo banal. Após 21 sombrios anos de ditadura iniciados com o golpe civil-militar de 1964, e já no nosso recente e precário processo de redemocratização, já experimentamos esse momento limítrofe da vida republicana em duas oportunidades.


Tem sido prática comum para as oposições, de indistintas colorações, inundar as mesas da presidência da Câmara dos Deputados e Deputadas, com pedidos de impedimento para aquele ou aquela que despacha no Palácio do Planalto.


Considerando-se que se trata de um evento jurídico-político, a bem da verdade, a maioria desses pedidos para sua instalação, mormente carecem de fundamento jurídico consistente e, se a economia caminha bem e o presidente ou presidenta tem o apoio da Câmara dos Deputados e Deputadas, nada ocorre.


No que se refere à dimensão política, sabemos que a definição pelo caminho do impedimento guarda relação estreita com interesses que se retroalimentam e adensam um cenário, um horizonte propício para sua consecução.


Uma prova disso foi a deposição da ex-presidenta Dilma Rousseff, costurada em movimentações públicas e subterrâneas iniciadas ainda no final de 2014 pelos derrotados naquela eleição, notadamente Aécio Neves e seu PSDB; reforçada pela sabotagem ao governo promovida pela Câmara dos Deputados e Deputadas, sobretudo na área econômica, e pela aleivosia e trama oportunista de Michel Temer e do PMDB; e ratificada pela forma e contexto no qual o pedido de impedimento foi acolhido por Eduardo Cunha com base numa fragilíssima peça denunciante de crime de responsabilidade.


Assim, avalio que o impedimento da ex-presidenta não pode ser interpretado de outro modo que não seja golpe. Certamente um golpe mais sofisticado que os de outrora por não quebrar “a ordem” instituída e pelas “instituições democráticas” permanecerem em funcionamento, mesmo assim um golpe, sutil, cheio de pós-verdades e aparência democrática que escamoteavam os reais interesses e as forças subjacentes.


Assim, essa experiência brasileira recente evidenciou um somatório de forças que resultou num vetor de impedimento que teve a ver com interesses do capital nacional desagradados pelo governo de Dilma Rousseff; com interferências político-econômicas externas, muitas delas urdidas cada vez de modo mais sutis, contaminando áreas estratégicas com o objetivo de fragilizar os governos, como por exemplo, o judiciário; com a aderência e participação ativa da grande mídia, tendenciosa, parcial, beirando a desonestidade; com a cômoda passividade por parte de setores do judiciário ou pelo ativismo jurídico por parte de outros setores; com a ética utilitária de uma classe política totalmente fiel a seus interesses pessoais ou no máximo de seus fisiológicos grupos políticos; e, finalmente, com forças da sociedade civil que ideológica e sistematicamente confrontavam o governo e outras forças arregimentadas e fortalecidas circunstancialmente por uma narrativa cada vez mais marcada pelo ódio, pelo ressentimento e pelo caráter moral e moralizador difundido à exaustão.


No atual momento brasileiro, sobrevivendo ao comando do presidente Bolsonaro, dezenas de pedidos de impedimento já chegaram às mãos de Rodrigo Maia e, agora, às de Artur Lira, a maioria permanecendo intocados. Pedidos que compreendo como muito mais substantivos que aquele que levou a deposição da ex-presidenta Dilma Rousseff, por apontar com mais clareza os crimes de responsabilidade que o presente governo cometeu e comete de modo reiterado.


Em termos econômicos, o Brasil se aproxima de um desastre provocado não pela pandemia, mas pela política de Bolsonaro para lidar com a pandemia, equivocada desde seus primeiros passos e declarações no início de 2020. Com o agravamento da pandemia o destino da economia é sofrer mais ainda, aumentando, como de costume, o peso sobre os e as trabalhadoras, assim como aos micro e pequenos empresários e empresárias que estão empobrecendo, e levando à miséria outros milhões de brasileiros e brasileiras.


Bolsonaro precisa ser impedido sim. Sua liderança como mandatário maior desse país é insuportável e totalmente inviável, seja pelos crimes de responsabilidade que comete, especialmente aqueles que atentam contra a vida, seja por estar levando o país ao fundo do poço econômico.


Segundo a Pública, Agência de Jornalismo Investigativo, já foram enviados 74 documentos para análise da Câmara dos Deputados, em seu conjunto assinados por 1434 pessoas e mais 476 organizações, sendo os temas mais recorrentes relacionados à política desastrosa do Governo Federal da pandemia por COVID 19; a participação do Presidente em atos antidemocráticos, ou de modo mais preciso diríamos sua anuência e estímulo aos mesmos; e sua interferência na Polícia Federal.


Mas não é apenas por isso tudo, o que já seria suficiente, que Bolsonaro precisa ser impedido. Bolsonaro precisa ser impedido, sobretudo, pelo mal civilizatório que está promovendo e que será bem mais duradouro que a pandemia e que os problemas econômicos.


A política de morte, bélica e de ódio generalizado aos adversários ou simplesmente a quem pensa de modo diverso de seu estreito e precário governo, marcará por um longo período a história política do nosso país.


Temas como o Golpe de 64 e a ditadura militar, que supúnhamos como temas ultrapassados, voltaram a ser discutidos, defendidos e celebrados e essa distorção também não se diluirá facilmente. A mesma lógica serve para o desprezo pelas instituições fomentada pelo presidente e os retrocessos nos campos dos direitos sociais, direitos ambientais e direitos humanos. Com Bolsonaro, não é possível nem dizermos a que época estamos retrocedendo civilizatoriamente, pois na nossa história recente nunca fomos tão atrasados.


Bolsonaro precisa ser impedido pelo seu total desprezo pela vida, pela sua total insensibilidade e desdém frente à morte e o sofrimento do outro, por ser o maior responsável por hoje o Brasil ser o segundo país do mundo com mais pessoas mortas pela COVID 19, por ser o principal modelo e agente enunciador de um tipo de indivíduo individualista, ressentido, manipulador, raso e fundamentalista culturalmente, ardiloso politicamente, e vil eticamente. Parafraseando Marilena Chauí, quando ela se refere à classe média, é possível afirmar que Bolsonaro “é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violento, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante”.


Impedir o presidente é mais que uma necessidade jurídico-política, é um imperativo ético-político, é uma urgência civilizatória em nome não de como o Brasil estará daqui a dois ou três anos, mas de como estaremos daqui a vinte, trinta anos como nação.


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