Por Anna Karina Cavalcante
Feminista, mãe, professora da escola pública, candidata não eleita por duas vezes, mestranda em educação pela Universidade Regional do Cariri.
Esse mundo construído sobre ideias machistas diz em qual lugar nós, mulheres, podemos estar e não são poucos os lugares em que não somos bem-vindas, ou pelo menos, não nos querem neles, simplesmente por sermos mulheres. Os espaços da política estão entre aqueles que não devemos pisar. Se ousarmos seremos agredidas, assediadas, ameaças e algumas vezes, até mortas. Exemplos não faltam.
Sobre nós, mulheres, recai uma sobrecarga de tarefas dentro e fora de casa com trabalhos infinitos colocando a política como algo inalcançável, e quando insistentemente chegamos nesse espaço fica muito difícil competir com homens que em sua maioria têm muito dinheiro, é desigual demais, até porque foi construído que mulheres públicas são aquelas moralmente questionáveis por ter deixado de lado o papel de mulher que foi construído para todas nós, como o cuidado com a casa e de todos os membros da família, o lugar do silêncio em espaços públicos. Tribuna, nem pensar. Ir contra essa construção cultural é visto como uma afronta que deve ser combatida e é aí que a violência prevalece.
Aproveito esse tema para relembrar o forte exemplo de Marielle Franco, mulher negra, LGBTQIA+ e da periferia, morta com vários tiros, inclusive na cabeça, atingida com o carro em movimento por um matador profissional, provavelmente muito caro pela eficiência certeira no serviço feito. O homem que apertou o gatilho está preso e nesse 14 de março de 2022 farão quatro anos do assassinato sem solução de Marielle. Ninguém sabe apontar seu mandante, ou pelo menos as instituições que estão atreladas a homens poderosos não permitem chegar a seu mandante. Como pode? Uma mulher negra, lésbica e vinda da periferia incomodar homens capazes de pagar pela sua morte, o que justifica, se não o incomodo em ter que dividir o poder político de uma cidade com uma mulher com esses perfis? O destino de Marielle antes do seu assassinato era o de ocupar ainda mais espaços importantes na política não só no Rio de Janeiro onde era vereadora, mas no cenário nacional do país. Marielle lutava contra algo que cresce enormemente e coloca em xeque a vida de muitas outras pessoas: a luta contra a milícia e, consequentemente, a própria indústria de armamentos. Marielle era a personificação da mulher afrontosa a um sistema construído no poder da violência das armas, da masculinidade tóxica de homens que mandam e pra nós, mulheres, só nos cabe obedecer. Não podemos esquecer a construção do Brasil utilizando-se do racismo, machismo e muita violência, oprimir para melhor explorar o trabalho dessas pessoas, por séculos.
O que se queria com o assassinato de Marielle não era só acabar com sua existência física na política, mas mandar um recado a todas as outras que como Marielle, ousem estar nesse espaço tão masculino. O recado não funcionou. Segundo o TSE, no pleito de 2020 chegamos a 33,6% de candidaturas femininas, enquanto nos pleitos anteriores o máximo que se chegou foi a 32%. Um crescimento, muito tímido, é verdade, principalmente se lembrarmos que 52% da população é de mulheres. Mas é um crescimento, apesar das inúmeras barreiras culturais e institucionais.
Estímulos para as mulheres adentrarem na política até existem, como a lei de cotas, que obriga partidos a terem 30% de candidaturas femininas. Mas no fim parecem com aquelas típicas leis “pra inglês ver” com partidos fundamentalmente dirigidos por homens lançando muitas candidaturas laranjas e os números revelam o quanto é real o artifício das falsas candidaturas de mulheres. Segundo a G1, em 2016, quase 15 mil mulheres candidatas a vereadoras não tiveram nem mesmo o seu próprio voto, chegando a 10% das candidaturas. Quando reais, muito é feito para que elas não alcancem a vitória, são micro violências que vão desde o desdém, à falta de recursos financeiros, tempos de TV reduzidos e em horários que as tornem invisíveis e assim em diante. Mas se mesmo assim a candidatura de mulher chegar a ser vitoriosa, na mesma proporção do espaço conquistado, as violências aumentam.
Será que temos tempo e força pra essa difícil batalha muitas vezes contra nossos próprios companheiros de partidos? Ou será que só aquela mulher com condição financeira de pagar outra mulher para exercer o trabalho doméstico do cuidado com a casa e com as pessoas, possam ser candidatas? Onde ficam as candidaturas das mulheres que representam a maioria das mulheres na sociedade? Será que os homens da esquerda vêm as mulheres candidatas como suas rivais em potencial ou é somente nos partidos de direita ou extrema direita onde a invisibilidade acontece? E o que fazer para superar enormes desafios? Cobrar mais leis e mudanças dentro das próprias organizações partidárias, onde mulheres ocupem mais as direções desses partidos, onde a paridade faça parte de uma pressão permanente até que seja alcançada também nas candidaturas de mulheres, maior financiamento e por óbvio que os partidos que praticam o jeitinho de invisibilizar as mulheres paguem por isso. E por fim, construindo uma forte frente de mulheres que se apresente, diante desse cenário de tantas violências, como uma verdadeira resistência feminista.
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