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Pretas, Pretos e Pretes, Uni-vos! Seguiremos a nossa luta cantando, dançando e amando.

Por Jacqueline Costa - Educadora, Feminista Preta, Militante, Pantaneira e Escritora. Mestre em Educação e Doutora em Sociologia. Profa. Adjunta da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira (Unilab/Ceará) do curso de Pedagogia e do Curso de Bacharelado em Humanidades e se dedica nos temas de estudos: Educação das Relações Étnico-raciais, Feminismo Negro, Literatura Negra, Interseccionalidades, Gênero e Sexualidades.



Tantas veces me mataron Tantas vecedos me morí Sin embargo estoy aquí Resucitando Gracias doy a la desgracia Y a la mano con puñal Porque me mató tan mal Y seguí cantan

(Mercedes Sosa-Como la cigarra)


O Dia da Consciência Negra é um dia necessário para o povo preto brasileiro.

É uma data que fazemos memória da morte de Zumbi dos Palmares (326 anos sem a sua presença entre nós), importante líder quilombola do Quilombo dos Palmares, maior quilombo do Brasil que fez muita resistência, ainda no contexto colonial.

É um dia que unificamos e reafirmamos nossas pautas de lutas e comemoramos nossa existência. Ao mesmo tempo, reivindicamos da sociedade brasileira mais comprometimento com a luta antirracista, denunciamos o genocídio em curso da população da população negra.

A data foi incorporada no calendário escolar, a partir de 03 de janeiro de 2003, data em que a Lei 10.639/03, foi promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A lei altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que em razão de uma luta histórica do Movimento Negro, conquistou a incorporação dos conteúdos de História e Cultura Afrobrasileira nos currículos escolares de instituições públicas e privadas brasileiras e teve como parecerista e relatora da Lei no Conselho Nacional de Educação, a intelectual Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva.

O Movimento negro entendeu desde muito cedo que lutar pelo acesso à educação seria uma forma de minimizar os efeitos negativos da escravização da população preta africana e seus descendentes, causada pelo tráfico ilegal de seres humanos.

A escravização não privou apenas a liberdade dos corpos, mas colonizou mentes, provocou o genocídio dos povos nativos justificado por um modelo de sociedade de dominância racial (HALL, 2009). Dessa forma, torna-se importante reconhecer e saber que os europeus, a partir de uma divisão entre West (Ocidente) e o Rest (Resto), impuseram às partes globais ditas bárbaras, seu modo de ser, pensar e organizar-se no intuito de civilizar os povos colonizados. Logo, um conhecimento eurocêntrico dividiu o mundo em raças superiores e inferiores, sendo os brancos os colonizadores e os povos nativos, africanos e indígenas, os colonizados.

Sobre isso, Aimé Césaire, intelectual, militante, poeta, dramaturgo e político engajado na luta contra o colonialismo e o racismo, em “O discurso sobre o colonialismo”, escrito em 1950 em Paris publicado em um formato de coletânea de textos de opinião na revista "Presences Africaines”, afirma que, “entre colonizador e colonizado, só há lugar para o trabalho forçado, a intimidação, a pressão, a polícia, o imposto, o roubo, a violação, as culturas obrigatórias, o desprezo, a desconfiança, a arrogância, a suficiência, a grosseria, a elites descerebradas, as massas aviltadas. (CÉSAIRE, 1978, p.25).

Tão pertinente e atual a afirmação de Césaire, pois a relação descrita por ele do colonizador e colonizado está muito presente em países onde o projeto colonial por meio da escravização manteve privilégios a custas da desumanização do povo preto. No Brasil não é diferente de outros países, a elite branca, tem um apego ao projeto colonial que não aceita qualquer alteração do seu status quo, qualquer ameaça de seus privilégios ela se revolta e se reinventa para se manter no poder. Essa postura fica bem evidenciada quando as universidades brasileiras adotam cotas para negros e indígena e quando a presidenta Dilma garante direitos trabalhistas as empregadas domésticas.

E quando se elege um governo que se diz declaradamente de direita. Daí, vemos um país ruir sob a égide do desejo do retorno do projeto colonial, do retorno as práticas mais perversas de racismo, retirada de direitos, um projeto genocida contra a população preta, indígena, agricultoras e agricultores rurais, população LGBTQIA+, quilombolas, cigana, povos tradicionais e a população em geral. Esse quadro se agrava diante de uma “oportuna” crise pandêmica que chega como a salvação da lavoura, que sob preceitos “eugenistas” e “darwinistas” apostou na imunidade de rebanho, não comprou vacinas, não protegeu o povo, apostou-se fortemente na morte em massa da população pobre, preta fazendo a limpeza étnica desejada, ficando as (os) mais fortes para uma nação “promissora” (para quem?) e demasiadamente racista, homofóbica, misógina.

Nesse contexto, vimos muitas ações coletivas de resistência, para citar, o movimento transnacional Black Lives Matter ou “Vidas Negras Importam” que emergiu nos países do sul e norte global e tem ecoado por todos os coletivos militantes e de direitos, movimento de luta negra, universidades, partidos políticos, grupos de artistas e por grande parte da sociedade em defesa da vida e contrária (os) a um projeto de Necropolítica em curso.

A mensagem para hoje é da necessidade e da importância de ser afirmar enquanto mulheres pretas e homens pretos se unindo e lutando todos os dias. Fica o desejo que a luta e a resistência seja global, continental, feminista, revolucionária, libertária, interseccional (de classe, gênero e raça), com a participação de negros e brancos, em busca de uma sociedade com mais oportunidade, com justiça social e sem racismo.

O primeiro passo é se posicionar, o segundo lutar contra qualquer injustiça, ser antirracista e reconhecer os seus privilégios de mulher branca e homem branco adquiridos as custas de muitas vidas pretas.

Seguiremos aquilombando, lutando, amando, dançando e... Cantando al sol. Como la cigarra, Después de un año, Bajo la tierra, Igual que sobreviviente Que vuelve de la guerra...

Até que sejamos ouvidas, ouvidos e ouvides.

Axé!


Referências

CÉSARE, Aime. O discurso sobre o colonialismo. Livraria Sa da Costa editora. 1ª. Edição, 1978.

HALL, Stuart. Reflexões sobre o modelo de codificação/ decodificação: Uma entrevista com Stuart Hall. In: da Diáspora: identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFM, 2009.

SOSA, Mercedes. Letra da música: Como lá cigarra.


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