interromperem a gravidez de forma segura"
Conversamos com Constanza Moreira que doutora em Ciência Política pela Universidade Candido Mendes, professora titular Grau 5 Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República. Atualmente é Senadora pelo partido Frente Ampla da República Oriental do Uruguai. Constanza participou da IV edição do Curta O Gênero como conferencista da mesa “Gênero e Políticas Públicas Culturais: cenários e perspectivas na América Latina”, em 2015.
Fábrica – Como surgiu o projeto de lei sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) no Uruguai e sua aprovação?
CM – Colocamos o nome do projeto de lei de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) para não usar a palavra ABORTO, m as para nós a decisão da gravidez é voluntaria. Nós falamos em direitos reprodutivos, e não obrigação reprodutiva. O corpo da mulher, o ventre da mulher, não é do estado, da comunidade ou do homem, por tanto, não é direito nosso decidir por ela. Nós, poder público, temos que cuidar da saúde da população. Consideramos que a vida sexual livre e segura um direito de todos e todas, e é nossa obrigação cuidar dos direitos de cidadão e cidadã. Quando o Estado não dá esse serviço de saúde para a mulher interromper a gravidez de forma segura, ele está faltando com sua obrigação, através do Sistema de Saúde. Lutamos para que a lei fosse cumprida, realizando a interrupção no prazo das 12 primeiras semanas de gravidez, e em casos especiais, como estupro ou má formação do feto. Foi colocado esse prazo para resguardar a saúde da mulher. Não admitimos que o direito do nascituro seja superior ao direito da mulher. Não é possível conceber que isso possa ser uma contradição de direitos, apenas consideramos que o sujeito de direito é um agente moral, e isso está na teoria jurídica, um embrião que não é viável, não pode ser agente moral e nem sujeito de direito. Cabe ao Estado dá proteção as mulheres e assegurar a igualdade. As jovens mulheres, as mulheres do interior ou as mulheres mais pobres não tinham condições de levarem adiante uma gestação compreendendo suas condições. Estamos cientes que existi uma grande desigualdade entre as mulheres mais vulneráveis e as menos vulneráveis. Por isso, a lei permite o aborto nas primeiras semanas de gestação sem que a mulher tenha de alegar algum motivo e que seja resguardada pelo Sistema de Saúde. Tivemos problemas no início com um aborto realizado fora do sistema, de forma clandestina, e a mulher foi presa. Fora do Sistema de Saúde o aborto é ilegal. Com isso, nós (governo) agora estamos refletimos sobre essas brejas na lei. Mas conseguimos, politicamente, articular o formato para aprovar o projeto com a participação da maioria. Com estratégias e articulação política, acredito que é possível aprovar essa lei no Congresso Nacional brasileira.
Fábrica – Como trabalhar a consulta pública e os interesses da sociedade em assuntos polêmicos?
CM – A exemplo, nós (Uruguai) realizamos um plebiscito sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. A direita, muito conservadora, alegava em pesquisas de opinião pública, que cerca de 70% dos uruguaios eram favoráveis à redução. E a mídia influenciou muito quando colocou conteúdos que afirmavam o problemas da criminalidade no país era apenas dos menores de idade. Onde, na verdade, a criminalidade no Uruguai é realizada por adulto. Menores de 16 anos são responsáveis por 7% dos crimes violentos. Mas as pesquisas, a direita e a mídia apresentavam outra realidade. “As prisões do Uruguai estão cheias de jovens. Criamos uma sociedade para a juventude e depois os responsabilizamos pelas doenças sociais que nós criamos. É uma hipocrisia total! Com isso, a sociedade organizada e a juventude reagiram com a criação de uma comissão “No a La Baja”, pitaram as ruas e os números começaram mudar e com 53% os uruguaios disseram “não” à medida. Mesmo com dinheiro, pesquisas e pauta na mídia, eles perderam. E retiramos essa pauta da agenda pública quando fortalecemos a participação popular nas ruas. Esse foi o ponto central para conseguirmos a vitória.
Fábrica – Vivemos em uma sociedade onde o espaço político é largamente dominado por homens que decidem pelo corpo da mulher. Como as mulheres podem ter participação ativa na sociedade?
CM – Temos que nos empoderar umas com as outras para assumir lideranças nos espaços de poder. A mulher tem que falar e aparecer primeiro no cenário. Eu dou aula na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República e na sala os meninos falam mais que as meninas. Elas até falam, mas no geral ficam caladas. Porque isso está enraizado na formação cultural onde “é o homem quem fala”, “fala alto”. São séculos de opressão e invisibilização e inaudibilidade das mulheres. Primeiro, nós temos que superar as limitações apresentadas e praticar a equidade de gênero, as mulheres têm que caminhar juntas para a produção uma “solidariedade de gênero”. Isso só se constroem quando falamos sobre a luta coletiva dentro dos movimentos, sindicatos e organizações e o terceiro ponto, é a entrada na política. Falo sempre para a juventude que não abandonem os partidos políticos, pois eles são muito importante, além de serem espaços de decisão das diversas pautas da sociedade. Temos que misturar movimento social com a vida política, e disputar por dentro os espaços de poder.
Fábrica – Temos acompanhando um novo momento na representação política na América Latina. Temos mais presidentes mulheres como Dilma Rousseff, no Brasil, Michelle Bachelet, no Chile e Cristina Kirchner, na Argentina. Como você ver a questão dessas mulheres sendo protagonistas do executivo de um país?
CM – Eu acho maravilhoso! E a primeira coisa a se perceber são as imagens delas e a diferença (que é enorme, rsrsrs) de uma com a outra. Seja em projeção como mulher e sua inserção na vida política. Acho que a gestão das três será marcante, mesmo que ainda não vemos ou percebemos, mas tenho certeza que elas entraram para a história. A Michelle Bachelet é hoje a liderança mais popular do Chile, e a Cristina Kirchner, no Argentina, é muito forte, querida e carismática, além de ter força política com sua reeleição. E Dilma que, no primeiro governo tinha boa popularidade, passa por um momento de difícil diálogo com os aliados. Temos presenciado o assedio que ela vem sofrendo do congresso que vota contra tudo do governo, é algum incompreensível. Mas, a primeira coisa que essas mulheres fizeram ao entrarem no poder foi desconstruir um imaginário que “mulher não pode governar”. Tanto para pessoas que acreditam nelas quanto para pessoas que estão na oposição, perdeu-se a força do pensamento que “mulher não serve para governar”. E isso não se sustenta, seja socialmente ou empiricamente. As mulheres podem governar tão bem ou tão ruim quanto os homens. Enfim, nós temos, neste momento, um negro e mulheres governando países, economicamente, importante do ocidente. Esse acesso das novas elites que são as mulheres, os negros, os indígenas como Evo Morales, essas são as novas lideranças populares que estão experimentando uma nova circulação de ideologias e concepções muito importante.
Fábrica – Você foi convidada para participar do evento Curta O Gênero onde foi conferencista da mesa “Gênero e Políticas Públicas Culturais: cenários e perspectivas na América Latina”. Quais os desafios ao pensar políticas de gênero para combater as violações sofridas contra as mulheres latino-americanas?
CM – Pensar uma política que integre gênero na América Latina é primordial. Realizamos um debate nacional, em todas as dimensões, com pessoas de diferentes lugares do Brasil e de outros países da América Latina para construir uma rede que integre diversas as origens e as identidades, vai juntar movimento social, política e academia. Será uma mistura maravilhosa. E o Curta O Gênero junta palavras e imagens que é algum incrível, pois não se ver com frequência, seja seminário ou congresso a relação da imagem com cultura e política. Com certeza foi uma mistura genial. Agora que faço parte dessa rede desejo que esse ajuntamento de pessoas brasileiras e dos outros países se fortalecessem na construção dessa rede tão importante e forte.
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