Por Andrezza Araújo Queiroz, Psicóloga, integrante da Fábrica de Imagens - ações educativas em cidadania e gênero. Compõe o Fórum Permanente da ONGs pela Defesa dos Direitos das Crianças do Ceará (Fórum DCA Ceará).
Há 32 anos, adolescentes, crianças e militantes das pautas de infâncias e direitos humanos comemoravam a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente como documento oficial de regulamentação dos Direitos do público infantil. O ECA, como é conhecido, foi pensado e construído por pressões nacionais e mesmo internacionais, feitas por servidores de organizações estatais, movimentos da sociedade civil e crianças e adolescentes – acompanhando as discussões e dando suas contribuições quanto à escrita e à aprovação do documento.
O Estatuto é uma lei ordinária à Constituição Federal Brasileira de 1988, que regulamenta direitos para os grupos marginalizados da população. As crianças e os adolescentes, antes atendidos pelo Código de Menores de 1979, ganharam status de sujeitos com direito de cidadania, no plano formal. A determinação constitucional de “prioridade absoluta” foi uma das inovações trazidas para pensar os direitos na área das infâncias e adolescências. Ou seja, as políticas pensadas para este público devem ser priorizadas bem como dotações orçamentárias, programas, projetos e ações, e sua implantação pelo Poder Público.
O artigo 227 da Constituição Federal é o condutor presente no documento principal da democracia brasileira, em relação a direitos de crianças e adolescentes, para o que resultou no Estatuto da Criança e do Adolescente. Nele está dito, em seu artigo 4º, que:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Brasil, 1988/2019, p. 140).”
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CNUDC) de 1989, que formaliza, em nível internacional da Doutrina da Proteção Integral, serviu também de base para pensar e articular a construção do Estatuto. A CNUDC foi aprovada um ano após a CF 1988, e um ano antes da publicação da lei ordinária brasileira para os direitos e deveres da criança e do adolescente. A Convenção traz pontos bastante parecidos com os que já haviam sido levantados pelos movimentos da sociedade civil e as organizações que pautavam as infâncias e adolescências. Como mostra o artigo 2º, parágrafo 1º:
“Os Estados Partes comprometem-se a respeitar e a garantir os direitos previstos na presente Convenção a todas as crianças que se encontrem sujeitas à sua jurisdição, sem discriminação alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra da criança, de seus pais ou representantes legais, ou da sua origem nacional, étnica ou social, fortuna, incapacidade, nascimento ou de qualquer outra situação. (Unicef, 1989/2019, p. 8)”.
E o artigo 14, parágrafo 1º: “Os Estados Partes respeitam o direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. (UNICEF, 2019, p. 13)”.
De 1990 para cá, a sigla ECA poderia significar também Esperança, Conquistas e Ataques, palavras-chave para analisar a história de 32 anos deste do Estatuto, que vem sofrendo constantes violações. O papel de assegurar prioridade absoluta e garantia de direitos é frequentemente desrespeitado pelo poder público. Seja na falta de construção e manutenção dos equipamentos que proporcionariam cultura, educação, saúde, esporte, lazer, participação, seja na omissão das políticas protecionais das vidas de crianças e adolescentes.
A gradual redução do orçamento público em programas que atendem diretamente crianças e adolescentes em vulnerabilidade é uma prova real do desrespeito ao princípio da prioridade absoluta. Rede Aquarela, Ponte de Encontro, CRAS e CAPS Infantil, Conselho Tutelar e Cada Vida Importa são exemplos na capital cearense. Este último é o mais recente programa, contudo NUNCA teve valor executado, ou seja nenhum dinheiro destinado às suas ações desde a criação do mesmo.
As consequências dessa falta de investimento no orçamento público, resulta em crianças e adolescentes sobrevivendo na vulnerabilidade, vítimas de diversas violências e alvos principais de homicídios no Ceará. Durante o período de isolamento por conta da pandemia do Covid-19, as violações a crianças e adolescentes aumentaram consideravelmente, algumas denunciadas e muitas não.
Os Órfãos da Covid foi uma situação que explodiu devido ao número exorbitante de crianças e adolescentes nesta situação. Contudo, precisou-se de articulação e muita pressão da sociedade civil para que os responsáveis tomassem ciência e se comprometessem a criar políticas públicas de assistência para os órfãos. Outro Asas da Palavra se deteve a essa problemática, para ler, clique aqui.
As ameaças ao documento vem de altos cargos, como do atual presidente do Brasil e seus apoiadores, delegados, juizes advogados, e são cotidianas, como vemos no noticiário casos de homicídios, estupro, negligência, constrangimento e desrespeito. O mais recente de uma menina que foi abusada sexualmente, engravidou com o crime e foi constrangida, desrespeita, induzida e não escutada pela juíza que não autorizou o aborto e pediu para a criança esperar mais um pouco para gerar outra criança. Uma ação atravessada por outras crenças sociais, que colocou em risco a vida da menina vítima de uma violação cruel.
Mesmo com todos esses ataques, o ECA permanece ativo e presente, resultado de lutas diárias da sociedade civil para que este documento fundamental NÃO seja jogado na latrina. É necessário defender a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente, principalmente nos tempos atuais de destruição dos Direitos Humanos.
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